POR JEFERSON BATISTA
Uso de máscaras, higiene das mãos, evitar aglomerações e ficar em quarentena. Quem vive no mundo de 2020 conhece muito bem essas recomendações sanitárias, as principais medidas para conter o avanço do novo coronavírus, responsável pela Covid-19. E quem viveu no mesmo mundo há 100 anos, também. Essas orientações aparecem em jornais e folhetos entre o final da década de 1910 e início da década de 1920, quando diversos países foram atingidos pela gripe espanhola.
Apesar do nome, a maior pandemia do século XX teve sua origem nos Estados Unidos, entre militares. Era um contexto de I Guerra Mundial, quando acusações entre nações e ocultações de informações eram ações bastante comuns. O fato é que a tragédia humanitária foi grande: 20 a 100 milhões de pessoas morreram por complicações da doença em todo o planeta. A pandemia que estamos vivendo já levou, até o início de setembro, mais de 860 mil vidas, em pouco mais de seis meses.
APROXIMAÇÕES
As semelhanças entre a gripe e espanhola e a Covid-19 não param nas recomendações médicas, nem no número elevado de mortes. O relativismo das doenças, a disseminação de notícias falsas e os desrespeitos às normas de distanciamento social são outros pontos que aproximam as duas pandemias.
“O negacionismo na gripe espanhola foi no início da pandemia e decorrente de decisão do presidente Americano Wilson e de outros países em guerra que emitiram ordens para censurar qualquer notícia que pudesse abalar a população e os soldados, o que contribuiu para sua rápida disseminação”, afirma a médica sanitarista Marta Salomão, que continua, fazendo uma comparação com os dias de hoje: “na Covid 19, temos o negacionismo inicial em diversos países, inclusive no nosso, não acreditando na sua importância. O Governo Federal continuou não assumindo a coordenação e controle da pandemia, negando a necessidade de isolamento social, necessidade de fechamento de escolas e comércio”.
ENFRENTANDO PANDEMIAS
O médico e escritor Rodrigo A. Rossi Falconi, em especial sobre a pandemia em São João, publicado pelo jornal O Município, mostra que em novembro de 1918, com um caso de gripo espanhola na cidade, as autoridades sanjoanenses começam a tomar as primeiras medidas para contar a influenza. A Santa Casa tomaria a linha de frente para receber e cuidar os enfermos. A Associação Esportiva Sanjoanense, o Theatro Municipal e a Loja Maçônica Templários da Justiça de São Paulo são apenas alguns locais que suspendem as atividades. A possível cura aparece e é conterrânea. O Xarope São João, na época um dos mais conhecidos do país e produzidos localmente, é anunciado como uma forma de evitar complicações da doença.
NA LINHA DE FRENTE
Diante dos problemas comuns causados pelas duas pandemias, o protagonismo de enfermeiros e médicos, na linha de frente, e a ajuda das pessoas também permitem colocar os dois momentos históricos em perspectivas.
“Apesar das notícias tristes, evidenciando a cada dia a chegada do terrível mal, como na pandemia de Covid-19, as boas notícias não deixavam de ocorrer, principalmente no que diz respeito à solidariedade”, escreve Falconi. Entre os voluntários na linha de frente, esteve o padre José Silveira e Mattos (foto ao lado), vigário da catedral. O sacerdote ficou responsável pela zelaria dos hospitais. Notícias publicadas no jornal O Município à época revela que a população sanjoanense “num movimento coletivo está agindo em prol dos doentes indigentes”. Diversos prédios públicos da cidade se tornaram hospitais de campanha, incluindo o Grupo Escolar. Noêmia Quaresma e o Dr. Oscar Pirajá Martins, que hoje são homenageados em nomes de ruas da cidade, são reconhecidos pelos serviços prestados contra a tão temível gripe.
As perdas foram enormes, mas o mundo, o país e São João se recuperaram. Ao falar sobre a pandemia em curso, Marta afirma que “se não tivéssemos o SUS o número de pessoas desassistidas seria imenso e, com certeza, teríamos maior mortalidade”. Além disso, a médica espera “que o comércio de nossa cidade recupere seu vigor e que empregos sejam recriados em todos os setores da economia e que alguns hábitos adquiridos como lavar as mãos sejam mantidos e que o uso de máscaras seja feito quando tivermos sintomas respiratórios, como já acontece em alguns países”