POR REINALDO BENEDETTI
Uma das mais antigas e respeitadas instituições filantrópicas de São João da Boa Vista ganha ainda mais importância nos dias atuais por ser, certamente, o único hospital que atende gratuitamente a todos que necessitam.
Que pese enfrentar crise financeira sem precedentes e com problemas estruturais, a Santa Casa de Misericórdia Dona Carolina Malheiros é um dos patrimônios mais relevantes da cidade e responsável por tratar e salvar milhares de vidas por aqui. Em meio a uma das maiores crises de saúde pública do país, causada pela pandemia de Covid-19, é na Santa Casa que a população de São João e região alcança a possibilidade de se curar da doença, que já tirou a vida de milhares de pessoas pelo Brasil. E mesmo sendo uma entidade privada, o espírito público da instituição está presente desde a sua fundação, com a ajuda de muitas mãos caridosas da época.
Por mais de meio século após a fundação de São João da Boa Vista, em 1824, a população que aqui habitava não possuía atendimento médico profissional e nem mesmo um local para tratar da saúde. Publicações de historiadores como Theophilo Ribeiro de Andrade, Antonio Gomes Martins, Maria Leonor Alvarez Silva, Matildes Resende Lopes Salomão, Rodrigo Rossi Falconi, Antonio Carlos Lorette e materiais produzidos nos principais jornais da cidade, revelam que os doentes naquele período dependiam dos chamados “curadores”, pessoas sem habilitação na medicina. Ou então conseguiam atendimentos por meio de médicos que vinham de cidades da região, os quais também dispunham de mínimos recursos para o exercício da profissão.
As consultas, na maioria das vezes, eram feitas na residência dos pacientes, sob condições muito precárias. Para os que viviam na zona rural somava-se a dificuldade de acesso. É diante deste cenário que algumas pessoas começam a pensar a possibilidade de implantação de um hospital na cidade, em especial para atender os menos favorecidos. Assim é gestada a Santa Casa Dona Carolina Malheiros, em meio ao sofrimento de tantos que não conseguiam atendimento médico e por iniciativa de pessoas providas de espírito altruísta.
O COMEÇO
Dona Carolina Augusta dos Santos Malheiros Vasconcellos, que dá nome ao hospital, é quem oferece o primeiro passo para a concretização do tão sonhado espaço médico, doando, em fevereiro de 1891, 30 contos de réis para a criação da Santa Casa local. É formada, então, uma direção provisória, presidida por Antônio Benedicto dos Santos Malheiros, advogado e irmão de Carolina, que organizou uma campanha na cidade para conseguir o terreno.
A pedra fundamental é lançada em 13 de maio de 1891. No entanto, o projeto inicial não progrediu, pois o terreno estava no centro da cidade e as normas sanitárias da época não aconselhavam a instalação de um hospital próximo a aglomerados humanos. Somente em 1893 o impasse é resolvido, quando Conrado Marcondes de Albuquerque e a esposa e Gertrudes da Silva Franco doaram, em vida, um terreno em loteamento na periferia da cidade.
Assim, em 1895 é lançada outra pedra fundamental e iniciada a construção do prédio. Como a doação inicial era insuficiente logo no princípio da construção, o autor do projeto, o engenheiro Alfredo Emílio Pacheco de Mello, idealiza uma quermesse para obter novos recursos.
A festa beneficente foi realizada em junho de 1896 e arrecadou 24 contos de réis, permitindo apenas a construção das paredes do prédio. As obras foram novamente paralisadas até 1898, quando foi eleito provedor o Dr. Francisco Carneiro Ribeiro Santiago, que organizou uma campanha para recuperar e terminar a construção do prédio e conseguir materiais indispensáveis para o adequado funcionamento do estabelecimento. Em seis de agosto de 1899, a Santa Casa de Misericórdia “Dona Carolina Malheiros” foi, enfim, inaugurada. Seu estatuto foi aprovado no consistório da Igreja Matriz em três de abril de 1897, dando constituição jurídica à Santa Casa, inscrita no Cartório de Registro Geral da Comarca, em sete de setembro de 1900, como Irmandade de Misericórdia de São João da Boa Vista.

O PRIMEIRO PRÉDIO
As portas do primeiro prédio da Santa Casa sanjoanense foram abertas no dia 15 de agosto de 1899. Era um edifício em estilo neoclássico, majestoso e que chamava bastante atenção. Seu interior era composto por acomodações de grandes dimensões, o que na época era usual em busca de uma adequada circulação de ar. A sala de espera era ampla e se comunicava com a administração e a farmácia. Havia, também, uma sala destinada a realização das cirurgias, além das enfermarias masculina e feminina. Três compartimentos, localizados aos fundos das enfermarias, serviam para os enfermeiros, rouparia e passagem para os banheiros. A cozinha estava localizada nos fundos do prédio e, entre as enfermarias, havia um salão de refeição para os pacientes convalescentes.
Quando foi fundada, São João da Boa Vista contava com pouco com 23.953 habitantes, conforme levantamento realizado pelo Club da Lavoura, em 1900. Já naquela época, semelhante ao que acontece hoje, a maior parte dos atendimentos realizados durante o início do século a pessoas de baixa renda, principalmente da zona rural, era gratuita. Mas, havia também internações de particulares pagantes.
Parturientes e até mesmo alguns casos cirúrgicos eram atendidos em casa, da mesma forma que alguns pacientes com doenças infecciosas. Não havia muitas consultas, sendo no máximo dez por dia no ambulatório. Havia poucas medicações, sendo a maioria manipulada. Os exames laboratoriais eram primitivos e o primeiro aparelho de raio-x só foi comprado em 1928, um equipamento portátil da General Electric, que era até levado à casa de alguns pacientes, quando necessário.
A CHEGADA DAS IRMÃS
No início do seu funcionamento, ainda modesto e com poucos atendimentos, o serviço de enfermagem da Santa Casa era mantido por um casal de espanhóis, Jacinto e Dolores Durão, que cuidava de todos os doentes.
Com o passar do tempo e o crescimento populacional, o trabalho foi ficando pesado para o casal e a mesa administrativa iniciou ações para aumentar o número de funcionários, sem acrescer muito as despesas. A alternativa foi buscar o auxílio das Irmãs de Caridade, que possuíam formação especializada, como enfermeiras e farmacêuticas.
Após várias tentativas, em 1916, sob a provedoria de Dr. Alípio Noronha Gomes da Silva, foi firmado convênio com as Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. Com a ajuda da comunidade local, foram feitas reformas no prédio, com as devidas acomodações e construção da capela. Em pouco tempo, as religiosas passaram a assumir diversas funções no hospital. O trabalho era tão bem feito, que elas ganharam, rapidamente, a confiança da população.

A NOVA SANTA CASA
A chegada das Irmãs Apóstolas trouxe mais qualidade à Santa Casa, que continuou atendendo a todos de forma ainda mais especializada. Mas, com o crescimento da população e a evolução da medicina, que não mais se limitava a atendimentos domiciliares, a estrutura do hospital começou a ficar defasada. O prédio da Santa Casa havia sofrido poucas alterações até o início da década de 1940 e já se mostrava insuficiente. Neste período, no intuito de construir novo prédio e resolver o problema, a mesa administrativa comprou um terreno em local distante do antigo prédio e o projeto arquitetônico foi elaborado pelo engenheiro Francisco Palma Travassos.
Mas, como o antigo prédio era próximo ao cemitério e o terreno adquirido era bastante distante, começou uma polêmica na cidade sobre a mudança ou não de local. O entrave só foi resolvido quando Zilda Carvalho, enfermeira que trabalhava no Instituto de Higiene de São Paulo, informou sobre a volta ao Brasil do professor Odair Pedroso, que havia feito um Curso de Administração Hospitalar, em Chicago.
Ao tomar conhecimento do empasse, Odair Pedroso não aconselhou a mudança e sim a construção de uma nova Santa Casa no mesmo local. Inclusive, foi ele o responsável, diante dos dados estatísticos, pela elaboração do projeto adequado à realidade local. Assim, a pedra fundamental da “Nova Santa Casa” foi lançada em 13 de março de 1947, quando Abel da Silva Pinto Vieira ocupava o cargo de provedor do hospital.
Foram criadas diversas comissões que auxiliaram a diretoria administrativa na construção da nova Santa Casa, sendo que a Igreja Católica, por meio das festas religiosas, e a ajuda popular tiveram importante participação. Mas, grande parte do dinheiro veio do governo estadual, na gestão dos governadores Jânio Quadros e Carvalho Pinto.
Os registros dos historiadores indicam que tudo era feito com muita economia, mas sempre respeitando o projeto original de acordo com as mais modernas normas de construção. O responsável pela obra foi o licenciado Luiz Todescato, profissional do Escritório de Engenharia de Gastão Cardoso Michelazzo. A primeira etapa da Nova Santa Casa foi inaugurada em 1952, compreendendo o 1º Pavilhão (Maternidade, Berçário e Pediatria) e o 2º Pavilhão (Seção B e Centro Cirúrgico). Em 1962, quando era provedor Dr. Palmyro Ferranti, foi inaugurada a fase final da Santa Casa. O novo prédio foi construído totalmente de acordo com as normas adotadas nos países desenvolvidos. Após sua inauguração, passou por diversas reformas e acréscimos. Do antigo prédio, nada restou, sendo totalmente substituído pelas novas dependências.

REFERÊNCIA EM TODA REGIÃO
Com 533 funcionários ativos, destes 115 médicos plantonistas atuantes e 67 beneméritos, a Santa Casa de Misericórdia Dona Carolina Malheiros realiza mais de 3.000 atendimentos ambulatoriais por mês e mais de 600 cirurgias.
Apenas no mês de janeiro de 2021 foram 3.046 atendimentos ambulatoriais. Deste total, 1.662 foram realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). No mesmo período, foram feitas 610 cirurgias, sendo 433 pelo sistema Público. Estes dados mostram que o hospital tem como prioridade o atendimento gratuito.As 20 cidades da região de São João têm na instituição local a referência para diversos atendimentos de alta complexidade, como traumato-ortopedia, oncologia, neurocirurgia, nefrologia, nutrição enteral e parental.
A Santa Casa de Misericórdia Dona Carolina Malheiros é um hospital filantrópico, cuja gestão é feita por uma mesa diretora eleita pela Irmandade do hospital, composta atualmente por 143 membros da sociedade civil.