POR IGNÁCIO GARCIA
Crescido no bucólico bairro Pratinha, em São João da Boa Vista (SP), o sanjoanense Muriel Gonçalves Filho, hoje com 40 anos, da infância à adolescência foi daqueles garotos com alma de “erê” e não poupava o físico durante as brincadeiras nas imediações da casa onde cresceu naquela cercania – localidade, aliás, onde tem familiares até hoje.
De atividade em atividade, passou pela juventude e trilhou sua educação até se formar em Educação Física pela primeira turma – de 2002 – do curso do UNIFAE. Desde então, agora como professor, começou a dar aulas como educador físico em algumas escolas da cidade, no período entre os anos de 2002 a 2010.
Todavia, aquela alma de criança, aguçada pelo que era novidade, nunca deixou de estar presente. E em meio às prestezas como docente, Muriel, que também tinha um apreço pela cozinha e com dotes culinários de um nato autodidata, teve a oportunidade de empreender e montar um pequeno restaurante nos anos 2006. O novo empreendimento, à época, funcionava às sextas-feiras e sábados, apenas com reservas. O negócio foi mantido por pelo menos quatro anos. Como a paixão pelos sabores dos alimentos acentuava-se cada vez mais, o educador físico resolveu dar um stop no ensino escolar e trilhar o caminho da culinária. “Comecei na culinária sem ter curso, ia vendo receitas, livros e executando. Fui fazer curso somente após um tempo de experiência”, contou Muriel.
Tanto se empenhou no ramo que, em 2011, trabalhou no antigo Restaurante Spaço – hoje Dona Salma – na rua Teresiano Valim, ali pertinho da “borda-limite” do coração de São João. Na sequência, abriu outro restaurante, daquela vez na Pousada do Bosque, margeada por uma estrada de chão batido logo na saída de São João para Santo Antônio do Jardim. Lá foram aproximadamente dois anos montando seus pratos, até que, em 2013, passou a gerenciar o conhecido Bar do Zeca.
Dois anos mais tarde, em 2015, teve a oportunidade de retornar ao Spaço, restaurante em que atuou ao lado de Cláudia Adib e Fernanda Moro, também fisioterapeuta e hoje esposa dele – aqui, nota-se que amor e gastronomia têm tudo a ver um com o outro!
UMA ‘VÍRGULA’ NA VIDA DE MURIEL
E como na vida de qualquer pessoa sempre – ou invariavelmente – surge uma “vírgula”, na de Muriel não foi diferente e houve uma guinada drástica, contada a partir de 21 de abril de 2017.
Naquela data, o já reconhecido chef de cozinha participava de um jantar junto com a esposa Fernanda e outros amigos na casa do empresário Carlos Gruli. E, quando tais amigos já tinham ido embora e o casal Muriel e Fernanda também se preparavam para ir, o inesperado aconteceu e tudo mudou na vida dele e da família.
“Convidamos o Muriel e a esposa Fernanda e outro casal para fazermos uma ‘jantinha’ em casa. Estava uma delícia, papo gostoso, comida boa, muita risada. Não me lembro muito bem da hora, mas creio que eram aproximadamente 2h [da manhã] e esse outro casal foi embora, ficamos conversando mais um pouco e logo o Muriel e a Fernanda anunciaram que também iriam pra casa”, contou Gruli. Segundo o empresário, todos despediam-se quando a cadela do vizinho da frente foi vista por eles na rua.
“Na hora, o Muriel comentou: ‘nossa, a cachorra do Peri está na rua, vamos colocá-la pra dentro!’. Daí fui à porta da cozinha, que dá acesso pra garagem, e estava trancada. Aí o Muriel disse: ‘a porta lateral sempre fica aberta!’. Quando fui em direção a esta porta, o Muriel pegou a cachorra no colo – um animal da raça labrador de uns 35kg – e eu bati a mão na maçaneta, percebendo que de fato estava aberta”, relatou.
No entanto, Gruli conta que estava muito escuro e, em seguida, Muriel já vinha com o animal no colo e foi porta a dentro. “Daí eu escutei um ‘ai!’ do Muriel, seguido de um forte estrondo e o choro da cachorra”, lembrou.
O amigo do chef relata que, ao colocar seu corpo porta adentro – e como estava muito escuro – não enxergou nada, não viu Muriel e falou: “Muriel!’ E falei mais alto: ‘Muriel!’ E nada! Só que, quando minha visão se acostumou com o escuro, olhei e vi que era uma escada; também vi que tinha dois lances e, lá no piso do último lance, estavam o Muriel e a cachorra caídos”, contou.
Rapidamente, Gruli desceu as escadas correndo e, quando chegou até ele (Muriel), percebeu que o amigo estava quase desacordado. “Daí ergui-o do chão, já percebi que tinha sido um acidente e que ele não estava bem. Dei um grito chamando por ele, e também um chacoalhão; Muriel acordou e logo começou a conversar comigo”, recordou.
A partir daquele estágio, o empresário teve a ideia de flexionar as próprias pernas e deixar Muriel encostado nelas, momento em que Lilian, esposa de Gruli, apontou na porta da escada perguntando o que havia ocorrido. “Liga pra emergência que foi feio”, clamou a ela. Daquele instante à chegada dos paramédicos, o amigo manteve-se conversando com Muriel. “Ele querendo levantar, eu não deixava; querendo dormir, não deixava”, relembrou.
Atônito com a situação, Gruli lembra-se que havia passado cerca de cinco minutos – o que para ele parecia uma hora – e que Tomás, o outro amigo que havia ido embora um pouco antes, retornou porque tinha esquecido o celular. “Parece que foi Deus que o mandou de volta. E ele ficou todo tempo ali comigo, até chegar o resgate do SAMU [Serviço de Atendimento Médico de Urgência]. E [Tomás] também ajudou a tirar o Muriel – já na maca – e levá-lo à ambulância”, relatou.
DO QUE MURIEL SE RECORDA
“Fiquei acordado, porém muito agitado. Não me lembro do momento da queda. Fui resgatado pelo SAMU, com muita dificuldade, devido à escada ser estreita”, lembrou. Aquele súbito acidente culminara em um traumatismo craniano gravíssimo, além de um trauma de face, consequências que resultaram em aproximadamente cinco cirurgias (retirada da calota craniana, fraturas de face, colocação da calota craniana, colocação de válvula por causa de hidrocefalia e outra [cirurgia] de face).
“Fiquei internado cerca de três meses no Hospital e Maternidade Unimed [HMU], fui traqueostomizado, com gastrostomia, tive hidrocefalia e embolia pulmonar. Estava confuso! Não me lembro desse tempo todo! E a última cirurgia fiz em São Paulo, na [Hospital] Beneficência Portuguesa – Unidade Mirante – quando já estava bem”, relatou.
E neste intervalo de tempo, a esposa Fernanda descobriu que estava grávida exatamente no dia em que ele era submetido a uma cirurgia com a equipe bucomaxilofacial. Ele, segundo relatos de amigos e familiares, soube que se tornaria pai bem ao fim daquele dia, ainda dentro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), quando ela revelou a gravidez.
À Revista Atua, Fernanda Moro conta que estava passando muito mal, mas acreditava que era por conta do nervosismo, causado por toda a situação e por estar tomando remédios. “Até que minha irmã comprou um teste de farmácia, fiz e deu positivo. Passei no Pronto-Socorro e realmente foi confirmado. Porém, no fim do dia, tive sangramento e precisei voltar ao PS, onde fui medicada – foi constatado descolamento de placenta e me deixaram em repouso”, relembrou a esposa.
A fisioterapeuta relata que passou a ficar na casa dos pais, que residem na cidade de São Carlos (SP). “Dia sim, dia não, meus pais me traziam para visitar Muriel. E hoje consigo ver como Deus nos carrega no colo, pois não conseguia pensar em não ter Muriel do nosso lado”, afirmou. Depois de quatro meses naquele município, Fernanda retorna a São João após estar estabilizada. Neste mesmo tempo, relembra ela, Muriel ainda estava na casa dos pais dele, pois não andava direito e ela também tinha restrições.
De acordo com Fernanda, o marido foi evoluindo bem no quadro de saúde, de forma gradativa, até finalmente voltar para casa. “Em novembro de 2017, fui para São Paulo, pois o parto – ia ser lá e Muriel teve que operar a vesícula. Mas, após uma semana, ele já foi para São Paulo também”, lembrou. E para a alegria do casal, em dezembro de 2017, o filho Guilherme Moro nasceu.
DE VOLTA A SÃO JOÃO
O casal e o filho voltaram e vivem em São João desde 2020. Muriel trabalhou por dez meses no bar Quintal, localizado na avenida Dr. Durval Nicolau. Já com a pandemia da Covid-19, associa-se ao pai e hoje ambos mantêm o Muri’s Bar, empreendimento anexo ao Posto Santa Agda, localizado na rotatória de acesso ao bairro Pratinha. No local, de segunda a sábado, é servido almoço e, à noite, o carro-chefe da culinária são as porções variadas de comida de boteco, oferecidas por Muriel.