POR BRUNO MANSON

Quando se fala em transplantes de órgãos, um dos maiores tabus é que a pessoa nunca voltará a ter uma vida normal, o que não é verdade. E um exemplo disso é o médico veterinário Marcos Gabriel Campos de Oliveira. Em 2017, Biel, como é conhecido, necessitou realizar um transplante de fígado, o que foi uma experiência que lhe marcou profundamente. Atualmente com 53 anos de idade, ele procura curtir ao máximo cada momento ao lado de sua esposa Andreia de Oliveira e de seus filhos Aref Moyabel Oliveira e Bela Maria de Oliveira. Esbanjando disposição, o transplantado é categórico em dizer: “Tenho uma vida melhor do que tinha antes”.

Marcos foi acometido de uma cirrose em decorrência da hepatite C. A doença evoluiu de forma silenciosa, sem causar nenhum tipo de alerta. Seu problema de saúde somente veio à tona durante uma cavalgada, atividade que sempre gostou de participar. Na época, o veterinário iniciou um percurso de três dias e seu corpo começou a inchar. “Comecei a cavalgada com 84 quilos e terminei com 93 quilos em apenas três dias. Foi quando veio o alerta máximo”, recorda. Preocupado, ele procurou o dr. João Batista Bueno, médico que sempre cuidou de sua família. Foram realizados exames e descobriu-se a doença, a qual já estava em um estágio bem avançado. Diante da gravidade da situação, o transplante do fígado era inevitável e o caso foi encaminhado para o dr. Ben-Hur Ferraz Neto, médico especialista na área. A partir daí, iniciou-se um verdadeiro drama em sua vida.

FUNÇÃO DO FÍGADO- O fígado é um dos órgãos que compõem o sistema digestivo. Ele é uma glândula e tem funções exócrinas, na liberação de secreções, e endócrinas, liberando substâncias no sistema linfático e sanguíneo. É ele que protege o nosso organismo contra substâncias nocivas que muitas vezes nós mesmos ingerimos, como é o caso das gorduras, da cafeína e do álcool, um grande vilão para esse órgão tão importante. (Foto: Reprodução Internet)

SITUAÇÃO GRAVE

O plano cirúrgico durou 11 meses. A princípio, Marcos confiava que conseguiria por meio de medicação não transplantar. Mas seu quadro vinha se agravando. No dia 6 de setembro deste ano, ele foi internado no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Seu estado de saúde era extremamente delicado, demonstrado por meio da escala MELD (do inglês Model for End-Stage Liver Disease ou Modelo para Doença Hepática Terminal), um sistema de pontuação que quantifica a urgência de transplante hepático em pessoas maiores de 12 anos. Nesta medida, quanto mais alta for a pontuação do paciente, maior é a urgência da operação. Para se ter ideia, a partir do número 14, pode ser transplantado. Já quando a pontuação chega a 30, indica que o quadro é crítico. Nesta época, o veterinário chegou a atingir o número 44 na escala.
Durante todo este processo aguardando pelo transplante, o apoio familiar foi fundamental. “No período em que a gente está na fila de espera, não devemos nos permitir estar em solidão, mas sim estarmos em solitude”, destaca.

CIRURGIA

A oferta de um doador compatível ocorreu no dia 21 de setembro. Marcos foi submetido a uma cirurgia em uma situação extremamente grave. Em 24 horas depois, ele teve que ser reoperado devido a um hematoma que se formou na cápsula do fígado, ao lado direito, quase do tamanho de metade do órgão. Após este procedimento, o paciente ficou em coma por 12 dias. Sua recuperação foi ocorrendo significativamente, a cada dia.

DE VOLTA AO LAR

Após superar esta etapa, o veterinário finalmente voltou para casa, onde permaneceu sob cuidados. “Quando vim do hospital, precisei tomar uma medicação contra o vírus da hepatite C, por um período”, comenta. Paralelamente, ele também iniciou uma medicação para evitar a rejeição do novo órgão transplantado. “A minha rotina baseou-se em uma superalimentação, já que entrei no hospital com 94 quilos e quando operei pesava 43 quilos. Ao sair do hospital, eu estava com 45 quilos, sendo que meu peso normal é de 75 quilos”, relembra. “Hoje posso comer de tudo. Não tenho nenhum tipo de restrição alimentar. Minha única restrição é o uso do álcool. Nunca mais devo beber”.

SUPERAÇÃO

Mas a batalha de Marcos ainda não havia terminado. Durante o período em que estava em casa, ele foi perdendo boa parte de sua força e, no início de dezembro, descobriu que estava com o citomegalovírus (CMV). Esta infecção costuma se manifestar em pessoas com o sistema imunológico enfraquecido – como transplantados, por exemplo – e pode provocar doenças graves que comprometem o aparelho digestivo, sistema nervoso central e retina. O veterinário passou o Natal e o Ano Novo com seus familiares, sem apresentar melhora alguma. No dia 6 de janeiro, precisou voltar para São Paulo e ser novamente internado no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. E foi aí que ele quase perdeu as esperanças de continuar lutando por sua vida. “Quando tive que ficar longe de minha família, novamente. Eu pensei em desistir”, conta.
Acompanhando todo o drama vivido pelo paciente, dr. Ben-Hur procurou incentivá-lo a não desistir e continuar sua batalha. Foi neste momento difícil que o médico fez Marcos recordar de seu grande sonho: dar uma festa de aniversário de 15 anos para sua filha Bela Maria. Ela foi uma grande motivação para que o veterinário pudesse aguentar firme e suportar todas as situações por que passou. Foi lembrando-se de sua filha e desse seu sonho que ele conseguiu forças e superou por definitivo toda esta fase.

VIDA NORMAL

A história de Marcos foi retratada em um quadro da série Transplantes, exibida no canal Discovery Science. O veterinário esteve entre os entrevistados do primeiro episódio, que abordou como tema o transplante de fígado. No mês de setembro ele completou dois anos de transplante e leva uma vida completamente saudável. Até voltou a andar a cavalo. “Minha vida é normal. Talvez até melhor, pois a gente se respeita mais como pessoa devido a todo o sofrimento que a família passou durante este período de espera na fila de transplantes. Hoje minha rotina é melhor, porque eu dou valor àquilo que realmente deve ser dado. Não fico mais preocupado com coisas corriqueiras. Atualmente eu prezo por dar valor ao que realmente o tem”, conclui.

PREVENÇÃO

O Brasil é hoje o segundo país no mundo em número de transplantes de fígado, ficando atrás somente dos EUA. Após passar por toda essa experiência, Marcos deixa um alerta a todos: “Gostaria que, além dos exames preventivos de rotina, as pessoas fizessem também o exame de hepatite, pois muitos casos não precisariam chegar ao ponto em que cheguei, se tivesse sido alertado que estava com a doença”, orienta. “Depois que você entra na fila é muito angustiante”, relata.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, houve uma pequena queda no número de transplantes realizados no primeiro semestre de ano, que somaram 13.263, em comparação ao mesmo período do ano passado, quando registrou 13.291 casos. Segundo o ministério, este ano deve ser fechado com a taxa de 17 doadores efetivos por milhão da população (pmp). Em números absolutos, o país deve alcançar 3.530 doadores efetivos este ano. Já o número de pessoas em lista de espera por um transplante, atualmente, é de cerca de 44 mil pessoas.

Em meio a estes números, muitas pessoas não conseguem sobreviver o tempo necessário para conseguir receber um órgão compatível. Isso se deve à baixa quantidade de doações que ainda são realizadas no país. “Quem já pensa em doar, que não fique só nas palavras. Que faça isso por atos e já deixe em seu documento que é doador de órgãos, pois no momento de tristeza, de luto da família, você salvará outra pessoa que também está com sua família em estado de choque”, finaliza Marcos.

FUNÇÃO DO FÍGADO

O fígado é um dos órgãos que compõem o sistema digestivo. Ele é uma glândula e tem funções exócrinas, na liberação de secreções, e endócrinas, liberando substâncias no sistema linfático e sanguíneo. É ele que protege o nosso organismo contra substâncias nocivas que muitas vezes nós mesmos ingerimos, como é o caso das gorduras, da cafeína e do álcool, um grande vilão para esse órgão tão importante.

HEPATITE C: UMA DOENÇA SILENCIOSA

A hepatite C é uma doença transmitida pelo vírus C e acomete 71 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, estima-se que 1,5 milhão de brasileiros tenham essa doença e não sabem.

As formas de transmissão da hepatite C são transfusão de sangue, compartilhamento de seringas e agulhas para uso de drogas, assim como lâminas de barbear, depilar, alicates de unha e objetos cortantes em geral, além de tatuagens e colocação de piercings. O vírus C também pode ser transmitido de mãe para filho durante a gestação, mas o risco de contaminação é de apenas 6%. Outra forma possível é durante a relação sexual desprotegida. O teste para diagnóstico de hepatite C pode ser realizado em qualquer posto de saúde do país. É obtido por meio da análise de uma gota de sangue extraída de uma picada na ponta do dedo.

(Foto: Reprodução Internet)