Adélia Nagib
Adélia Nagib tem sua imagem muito associada ao Instituo de Educação. Porém, ela atuou na direção de diversas escolas e na instalação da Escola Estadual ‘Camilo Léllis’, em Espírito Santo do Pinhal.
Por Clovis Vieira | Fotos: Leonardo Beraldo / Cromalux

Linha do tempo: II Guerra Mundial, um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações. Suas consequências também atingem o Brasil, onde a crise fez milhares de famílias perderem parte de seus bens materiais. A vida e os caminhos da pequena Adélia, nascida em São João no ano de 1924, não escapam a esse destino.

“Eu me lembro de meu pai nos dizendo: ‘está vendo, minha filha, ontem eu tinha alguma coisa e hoje eu perdi o que eu tinha’; e dizia também: ‘então, a única herança que eu faço questão de deixar para vocês é a cultural; por isso, vocês tratem de estudar’”. Semente atirada em solo fértil, esse conselho foi seguido à risca por ela, somado a um gosto natural pela Matemática. Nascia assim uma carreira bem sucedida na área da Educação.

Adélia Jorge Adib Nagib, a mítica diretora do Instituto de Educação ‘Coronel Cristiano Osório de Oliveira’. Hoje, ela atua à frente do Sistema Anglo de Ensino, coadjuvada pelo filho Fernando Nagib. “Quando menina, as minhas grandes paixões eram a Engenharia e a Arquitetura. Pena que, naquela época, a mulher não tinha vez, a mulher não deslanchava em nenhuma carreira”, lamenta. E diante da falta de recursos para abraçar esse estudo, ela opta por uma “profissão que fosse mais rentável”, escolhendo a Matemática. Uma estudante sempre com vontade de aprender mais, ao aposentar-se no Magistério, Adélia cursa Direito aqui na cidade, esperando tomar gosto pela área. “Mas não gostei! Daí, eu pensei: ‘a minha praia é outra’”, diz sorrindo.

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

Embora ela tenha se aposentado como professora, sua imagem está muito mais associada à diretora que foi nos anos 1960 e 1970. “Se eu fosse me efetivar como diretora, eu teria que deixar São João. Como professora, eu já tinha raízes aqui, minha casa, minha família constituída”, ela conta. E foi aceitando convites para dirigir algumas escolas, na condição de professora substituta. Adélia participou, inclusive, da instalação da Escola Estadual ‘Camilo Léllis’, em Espírito Santo do Pinhal, como diretora e fundadora.

Ela aponta que, na direção escolar, sua amplitude de serviços prestados era maior e não ficava restrita a apenas uma ou duas salas de aula. “Isso me agradava muito, eu me sentia motivada para trabalhar”. Ao voltar no tempo e tocar no assunto Instituto de Educação, ela deixa escapar: “Ah, que saudades! Que saudades!”– pois considera que aquele tenha sido um período feliz “para todo mundo: professores, alunos, funcionários”. E arrisca dizer que havia uma empatia muito forte ligando todos os envolvidos. “Eu me lembro assim: quando se falava em desfilar em datas cívicas, ninguém gostava… mas os nossos alunos adoravam”. Professora Adélia coleciona um sem número de pequenas histórias daquele tempo, que vai enumerando e se divertindo ao relembrar. “Percebe como nós somos abençoados, porque vivemos numa época em que tínhamos a companhia de pessoas espetaculares”, referindo-se aos professores que hoje são lembrados como muito especiais. Antigos colegas de trabalho afirmam que o mérito de ter criado essa oportunidade aos seus comandados teria sido dela. “Eu nem poderia deixar de fazer isso” explica, “se não, eu estragaria tudo! E, no fundo, não foi preciso nem fazer muito esforço, porque aqueles professores eram espetaculares, todos eles se davam muito bem”. Afastando sua imagem de sob a luz de qualquer holofote, Professora Adélia considera que seu grupo de professores colaborava muito com ela. “Eu tinha, talvez, liderança, e todos concordavam com as nossas decisões, porque eles eram pessoas maravilhosas, melhores do que eu”.

E ilumina um colega daquele tempo como o seu aliado, além de grande amigo: o Professor João Batista Scannapieco. “Um grande amigo, que me apoiava muito. Ele tinha ideias maravilhosas e nós sempre as colocávamos em prática, porque ele sempre foi muito criativo e ponderado”.

ESCOLAS

Na época de sua aposentadoria, um grupo de mães de São João da Boa Vista solicitou a ela que organizasse um cursinho preparatório para vestibulares, que a cidade não tinha. “Em 1978, minha mãe inaugura o ‘Vértice Vestibulares’, sendo que três meses depois, foi firmado um convênio com o Curso MacPoli, de Campinas, oferecendo muito mais ao aluno”, relembra Fernando Nagib.

Em seguida, ele conta, diante do desejo de aposentadoria da educadora Sarah Salomão, a professora Adélia recebe dela a oferta de compra do Externato Santo Agostinho, fundado e dirigido por décadas pela dupla de educadoras Sarah Salomão e Zezé Lopes. “Foi ali que nós implantamos o ensino médio”, afirma Fernando. Nesse tempo, o Sistema Anglo de Ensino começa a abrir franquias em cidades do interior do Estado: “Nós acabamos sendo uma das suas primeiras franqueadas”. Mais tarde, aconteceu a venda do Externato Santo Agostinho a outros professores e a família Nagib mantém até hoje suas atividades no Anglo.

VITALIDADE

“Eu sou daquele tempo em que o aluno se levantava da carteira para falar comigo, quando eu comecei como professora”, Adélia recorda. “Hoje, não! Se ele está sentado, ele continua e eu converso muito bem com ele. Sou aquele tipo de pessoa que me adapto ao momento em que estou vivendo”, pondera. E diz aceitar essas mudanças com grande tranquilidade. Professora Adélia afirma não considerar esses novos costumes como falta de respeito, “porque o momento no qual estamos vivendo é esse”, ensina.

Apesar de não ser uma pessoa nostálgica, ela conta que olha ‘para trás’, para muitos anos no passado, e percebe ter os mesmos bons sentimentos de agora: “Eu fui e sou muito abençoada por Deus; eu não trago saudades daquele tempo, porque eu pratico uma visão de compreensão do momento e me ajusto a ele.” Se ela tivesse que apontar um fato que se destaca hoje no ensino, este seria o avanço tecnológico experimentado pelos professores da atualidade. “Hoje, está muito mais fácil explicar a uma criança de 12 ou 13 anos, conceitos como o espaço, a tridimensionalidade… com a ajuda da tecnologia; hoje, essa ferramenta ajuda tremendamente o professor”.

Em sua ‘casa’ atual, ela revela que não tem mais a mesma dinâmica dos tempos dourados: “Eu estou com 93 anos!” diz orgulhosa, considerando sua saúde e lucidez. Diante do espanto das pessoas quando constatam sua vitalidade, ela revela alguns segredos: conviver com gente jovem e trabalhar com aquilo que gosta, a Educação, no seu caso. “Eu me formei em Direito, mas não consegui sair da minha área para trabalhar com advocacia; aqui dentro (aponta para o coração) tem só a Educação mesmo; acho que o meu segredo é este”, resume.

DESCOBERTAS

Braço direito da professora Adélia em suas atividades atuais, Fernando Nagib usa de descontração para identificar sua posição na equipe: “Aqui, a minha função é a de filho, filho da Dona Adélia”, brinca. Ela, ali ao lado, cai na risada.

Foi em 1979, que ele aceitou o convite da mãe para participar desse seu projeto educacional de tantas décadas. “Foi um convite circunstancial. Eu não me acertava em nada, não me ‘encontrava’ e ela me trouxe para trabalhar na escola. Daí, eu me apaixonei pela área de Educação, que é muito gratificante”.Sua primeira função, ainda no tempo do Curso MacPoli, foi a captação de alunos, visitando cidades da região, colando cartazes, conversando em escolas para divulgar aquele curso. “Hoje, nós dividimos as funções de maneira igualitária, tanto no setor pedagógico, quanto na gestão de marketing, de captação de novos alunos”. Embora haja mais pessoas e funcionários, as resoluções finais sempre passam por eles. Fernando confessa que essa proximidade com a mãe-patroa o fez descobrir-se e descobrir a Educação, uma “área tão nobre”, podendo trabalhar com pessoas e com jovens que estão em busca do próprio destino. “No entanto, o mais importante é: eu descobri que o caminho da felicidade não está ‘do lado de fora’, está dentro de nós mesmos, em nossa essência, que é Deus”.

“Eu me lembro de meu pai nos dizendo: ‘a única herança que um pai pode deixar aos seus filhos é a cultural’; por isso, garotada, vocês tratem de estudar; a nossa parte, nós estamos fazendo”, afirma.

COLEGAS

Quando toca no assunto ‘crise econômica’, Fernando aponta que ela não é seletiva e que afeta todos os setores da sociedade, “mas a Educação é a última área a sentir seus efeitos”, defende. E explica que pais conscientes fazem todo o esforço para manter seus filhos na escola com a qual eles próprios se identificam. E vai mais adiante: “aqui em São João, o setor educacional sempre teve muito apoio do poder público: todos os prefeitos e todas as Câmaras sempre ofereceram o seu apoio à Educação”. Ele reputa a isso, São João da Boa Vista apresentar um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), entre cidades com até 100 mil habitantes, “sendo considerada uma das melhores do País”, aplaude. Em recente reunião do Rotary Club ao qual faz parte, Fernando assumiu a palavra para ressaltar a importância de instituições como o UNIFEOB e o UNIFAE para o desenvolvimento da cidade, “porque milhares de pessoas de nossa cidade e de nossa região somente puderam ter uma instrução de nível superior graças a elas”. Fernando confessa que já atravessou momentos na Educação em que o desafio estava muito acima do que poderia resolver. Entre eles, a questão das drogas, “o maior desafio que nós temos”.

E esclarece que sua escola trabalha diretamente no tema, com especialistas da área, na tentativa de vencer essa questão. “Sim, houve momentos em que eu tive vontade de parar”, diz. E, de acordo com ele, é o esforço de colegas professores que atuam na educação pública — por quem ele nutre grande admiração — que o motivam a continuar.

ALUNOS

O filho de Dona Adélia avalia que milhares de alunos — de São João e região — já tenham passado por suas escolas. “Se formos apontar, hoje uma boa parte dos médicos que atuam na cidade estudou no Anglo”. E cita a Faculdade de Medicina do UniFAE, “que é muito bem estruturada, muito conceituada, onde muitos dos professores que ali ensinam estudaram aqui, na nossa escola”. Relaciona, também, um sem número de profissionais liberais, de diversas áreas, alguns deles trabalhando fora do País, que estão “ajudando a melhorar a qualidade de vida de muita gente”, que foram seus alunos, diz orgulhoso.

Desde o seu início, o Anglo São João mantém uma política social “de que a gente não abre mão”, visando pessoas que desejam se desenvolver e que não apresentam recursos para isso. Sua política social alcança tanto os alunos que têm facilidade de aprendizagem, mas sem recursos financeiros, quanto aqueles que apresentam dificuldades e que estão na mesma situação financeira.

Dona Adélia concorda com um movimento de cabeça e diz: “Eu me lembro de meu pai nos dizendo: ‘a única herança que um pai pode deixar aos seus filhos é a cultural’; por isso, garotada, vocês tratem de estudar; a nossa parte, nós estamos fazendo”, finaliza.