POR IGNÁCIO GARCIA

Provocante, teimoso, incisivo, crítico, munido de uma inteligência aguçada e ‘senhor’ de um reservado humor ácido – este compartilhado por uma singela dúzia de amigos, colegas ou conhecidos – o sul-caetanense de nascimento Hediene Zara, 40, é jornalista, escritor e assessor político, mas não é unanimidade entre certos colegas de imprensa.

Tudo porque alguns deles – resguardadas as identidades – atribuem, ao nosso entrevistado, a ligeira impressão de ‘arrogância’. Bem longe disso, a realidade é que o coração do ‘menino’(grifo meu!) é revestido por certa couraça de defesa – até por ele questionada e polida -, já que admite constante batalha contra seus defeitos e pecados. Fora os atributos e as nem tanto virtudes, segundo ele próprio relata, hoje, o multifunções Zara mantém-se à frente da assessoria de gabinete da primeira mulher eleita prefeita em São João da Boa Vista – Maria Teresinha de Jesus Pedroza, além de ter, de lavra própria, cinco livros – o mais recente lançado em 10 de março do ano corrente – muitas histórias a contar e uma boa turma pra incomodar.

Em entrevista à Revista Atua, Hediene Zara conta suas vivências, trajetória, reservas, desvios e o que ainda vem pela frente, literalmente ‘rasgando’ o verbo a este jornalista que vos escreve quando perguntado se já galgou tudo o que queria nesta altura do campeonato. Aproveite a leitura, porque com ele lá vem ‘chumbo’ – de conhecimento.

Você se envereda na escrita há 18 anos, tem quatro livros publicados e vai lançar, ainda neste ano, uma coletânea de poesias, que estava engavetada, desde 2006. E o gosto por contar histórias e estórias através da escrita já é um pouco ‘antigo’, mas como profissão nasceu por meio da professora Maria Inês de Araújo Prado. Antes deste start, o que te atraiu e o levou a gostar de escrever?

R: Nasci rodeado por leitores. O destaque era o meu avô, Fiori. O italiano amava um debate político, era muito bem informado e espirituoso. Lá em casa, todo santo dia, aparecia O Estado de São Paulo. O pessoal lia e deixava de canto. Eu tinha uns cinco pra seis anos. Estava sendo alfabetizado com uma cartilha chamada “Caminho Suave”. Eu devorava os exercícios! Não era nenhum prodígio, porque a maioria dos meus colegas também fazia aquilo “com os pés nas costas”. Quando eu chegava da escola, corria direto pro Estadão. Era a minha segunda cartilha. Tentava ler sobre tudo, até altas horas da noite. Depois, é claro, fazia perguntas estapafúrdias: “Pai, o que é inflação?”; “Mãe, quem é Sarney?”; “União Soviética é aqui perto?”. Ficava curioso sobre como aquela enormidade de assuntos brotava no papel. Queria saber qual era a magia capaz de trazer, pra mesa da cozinha, fotos do outro lado do mundo. Esse fascínio me despertou para a escrita. No Ensino Fundamental foi que a Maria Inês Prado, professora de Redação, entrou na minha vida. Superou o mero ato de alfabetizar: fez um direcionamento vocacional. Foi a primeira pessoa a dizer, publicamente, que a atividade como escritor seria a minha profissão.

Durante algumas conversas com alguns ‘colegas’ em comum, a maioria – quase 100% – foi enfática em te classificar como um ‘cara’ muito inteligente. Mas alguns deles não deixaram de te considerar, às vezes, meio ‘arrogante’. Você concorda que isso já aconteceu ou acredita que pode ser apenas algum traço de sua personalidade? O que tem a dizer em relação a isso?

R: Não é traço de personalidade. É uma patologia! Agradeço, sinceramente, aos colegas que me diagnosticaram. Jornalista que não se sente estimulado pela crítica tem mais é que mudar de carreira. Não tenho o direito de ignorar essas impressões. Tanto o Jornalismo quanto a Literatura envolvem respeito aos sentimentos. Tenho uma autocrítica extremamente forte! Vivo em guerra contra meus defeitos, minha ignorância, meus pecados. Tudo isso me motivou a eleger a Psicossociologia da Comunicação como linha de pesquisa de mestrado. Tive aulas até com psicanalistas lá em Portugal. Queria enfrentar este vulto apaixonado que não admite erros profissionais. Aprendi que o ideal excessivo de perfeccionismo não me faz bem, mas tem coisas que não consigo digerir. Tempos atrás, no escritório de um cliente, pedi a um estagiário que fizesse um (press) release. O camarada me perguntou o que era release. “Queridão, quarto ano de Jornalismo e não sabe o que é release?” Ensinei, sim, mas ensinei contrariado. Dominar aquela matéria era uma obrigação, já no primeiro mês de curso. Eu cobro de quem está envolvido nas mesmas responsabilidades. Essa veemência, infelizmente, suscita a pecha de “arrogante”, mas garanto que, quem me conhece de perto, enxerga meu coração.

Seu quarto livro foi oficialmente lançado em março. Qual foi sua inspiração para escrevê-lo e qual o motivo que o levou a esta produção?

R: “História que salta aos olhos” não é uma ideia só minha. Fazia uns quatro anos que o projeto estava na fase de ensaio, em parceria com meu amigo e professor Nilton Queiroz (foto acima), que tem um extenso currículo artístico e jornalístico. Começamos a rascunhar sobre algumas belezas da cidade que, a nosso ver, mereceriam um registro histórico mais robusto. Vimos que nossa lista coincidia, quase que totalmente, com os bens tombados pelo Condephic (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São João da Boa Vista). Iniciei a pesquisa e o Nilton saiu a campo, fotografando essa seleção e levantando imagens antigas. Neste meio tempo, em 2020, foi publicado um edital do ProAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Governo de São Paulo. A oportunidade se casava com a ideia e eu inscrevi a proposta, que foi contemplada. Considero este livro um manifesto: mostra que qualquer pessoa pode escrever sobre a história de São João. Não é (e jamais poderá ser) um tema loteado na mão de meia dúzia de pessoas. Nas primeiras páginas, inclusive, nós insistimos em provocar essa reflexão. Esperamos que surjam novos autores com outros livros, ainda mais completos, com abordagens muito melhores.

Foto: Edvaldo Gonçalves

Neste ‘meio caminho andado de vida’, acredita que já está suficiente o que conquistou ou ainda tem outras vontades escondidas a realizar? Fale, com isso, um pouco mais sobre onde pretende chegar – o que mais galgar.

R: Não posso perder a inquietação. O lançamento de uma obra é o prefácio da outra. O novo livro de poesias, que chamei de “Atrevimento e desconstrução”, pode ser a “virada na chave”, um aprimoramento de estilo. Já tenho mais duas produções engatadas. O UNIFAE me pediu algo sobre Fernando Furlanetto e a parte textual está quase pronta. Também vou publicar minha dissertação de mestrado: “Do Jornalismo ao jornalismo performático”. É uma crítica à Comunicação Social pós-moderna, pois eu sou cético quanto ao formato do noticiário atual, nesses espaços virtuais em que cada um é deus de si. Tem comunicador que administra fanpage no Facebook e assina como CEO.

Como assim? CEO de quê? O jornalista com formação acadêmica tem a missão do inconformismo, de pesquisar para combater esse tipo de estupidez. O estudo perene é fundamental. Cheguei à fase que me “empurra” para o doutorado, mas não vivo de fantasia. Caso faça essa opção, terei que me dedicar com exclusividade e, no momento, há compromissos profissionais que devo respeitar. Estou comemorando o convite para dar aulas de redação no Cursinho Popular, voltado aos alunos de baixa renda. Para mim, será uma atividade “terapêutica”, movida por amor, para honrar aqueles que me inspiram: meu avô, Fiori, e minha professora, Maria Inês Prado.